O ritual esteve inserido nas actividades da segunda edição do Festival das Tradições, que encerrou domingo, no Dundo.
Segundo a tradição da cultura Lunda-Cokwe, o ano começa em setembro, designado "Kamoxi”, e termina em Agosto (Cimbejimbeji).
Assim, no primeiro dia do ano, aconteceu uma peregrinação à lagoa do Kassosso, rio Luachimo, no Chitato, com oferendas aos ancestrais. Além de concentrar os chefes e líderes tradicionais, o evento juntou também representantes dos Governos das três províncias do Leste, designadamente Lundas Norte e Sul e Moxico, para ofertas a "Zambi Kalunga” (Deus das Águas).
O secretário do soba Mandandji, Chiri Bakafu, uma das autoridades tradicionais que conduziu a celebração do Ano Novo Lunda-Cokwe e do território em que se encontra a lagoa que acolheu a cerimónia, explicou que o povo acredita na existência de um deus das águas, que garante a abundância na produção agrícola e protecção das comunidades contra todos os males.
A festa, disse, faz parte de uma riqueza cultural que caracteriza o povo Lunda Cokwe, quanto a dimensão histórica dos seus hábitos e costumes. Daí que, sublinhou, no último dia do mês de Agosto (Cimbejimbeji), um grupo de mulheres camponesas vai, à madrugada, a um rio ou lagoa, com cestos e outros instrumentos cheios de produtos do campo para oferecer ao deus das águas.
Depois das senhoras que naquele horário aparecem sem vestes, à beira do rio, para a deposição dos bens alimentares, segue-se o grupo dos homens, com a mesma finalidade, para a conclusão da cerimónia, no período da tarde.
Esta última é pública, sendo testemunhada por convidados e outras pessoas interessadas, e serve, basicamente, para demonstrar de que o ritual foi cumprido, tal como informou o secretário do soba Mandandji, uma das mais emblemáticas, influentes e representativas autoridades tradicionais do município do Chitato.
Cada povo tem as suas crenças
Chiri Bakfu justificou que cada povo tem as suas crenças e a forma de apreciar o mundo, um argumento encontrado pelo grupo etnolinguístico Lunda-Cokwe.
O ritual da peregrinação e oferendas aos ancestrais, a partir de um rio ou lagoa, justificou, garante a fartura em termos de cultivo e é um forte repelente de qualquer perigo no seio das famílias.
"Cada povo tem a forma de acreditar no mundo. O povo Lunda-Cokwe acredita num Deus das Águas, pois é a partir da água que tudo é feito. A nossa produção agrícola vem da água. Por isso, fizemos as oferendas a partir de um rio, pedindo aos nossos ancestrais que intercedam junto dele para que tenhamos um ano com muita produção. É um ritual que coincide com o fim de um ano e o início do outro”, esclareceu.
Chiri Bafku afirmou que, no ano passado, segundo o calendário Cokwe, houve pouca produção de alimentos, devido aos solos dos campos agrícolas que estiveram áridos e secos, deixando as comunidades numa penúria sem precedentes.
O secretário do soba Mandandji acredita que isso aconteceu por causa da grande tendência da perda dos hábitos e costumes ancenstrais. No seu entender, a dada altura, o povo Lunda-Cokwe deixou de praticar o ritual da comemoração do ano, e isso enfureceu o "Zambi Kalunga”, Deus das Águas.
Para se redimir da ira da divindade, no quadro das acções de resgate dos hábitos e costumes do povo Lunda-Cokwe, foi realizado o ritual de peregrinação e oferendas para que o novo ano, que começou no primeiro dia de Setembro, ofereça abundância produtiva nos campos agrícolas.
"Com a observância da cerimónia, estão criadas as condições para que, além da fartura alimentar, o povo seja igualmente protegido de todos os males e doenças”, garantiu o secretário do soba Mandandji.
Chiri Bakafu alertou que tudo que é dado pelos antepassados deve retornar, mediante o cumprimento de protocolos próprios e específicos, sob pena de haver pragas nas comunidades, em consequência da ingratidão junto do Deus das Águas.
"Enquanto autoridades tradicionais, agradecemos ao Governo pela realização do Festival das Tradições, pelo facto de estar a permitir a recuperação dos nossos hábitos e costumes”, disse.
Importância turística
O director do Gabinete Provincial da Cultura, Turismo, Juventude e Desportos, José Fernando Pinto, afirmou que a comemoração da festa do ano novo em todos os meses de Setembro, pela sua especificidade, o ritual tem fortes possibilidades de atrair personalidades nacionais e estrangeiras.
A forma de celebração, defendeu, constitui uma riqueza cultural que caracteriza o povo Lunda Cokwe, quanto aos hábitos e costumes, daí ter sido inserido no programa do Festival das Tradições, um evento com periodicidade anual. Na edição passada, lembrou, o ritual não foi realizado, devido a questões organizativas.
"O ritual da exaltação do Ano Novo Lunda-Cokwe é um ponto de convergência, troca de experiências e divulgação da dimensão do valor histórico da cultura dos povos de Angola”, sublinhou.
A par da cidade do Dundo, capital da Lunda-Norte, que acolheu as diferentes edições do Festival das Tradições, segundo o responsável da Cultura, Juventude e Desporto, a povoação do Sweji, local de residência tradicional do rei Lunda-Cokwe, Mwene Mwatxissengue - Wa-Tembo, em Saurimo, província da Lunda-Sul, tem sido o palco da realização dos rituais.
Em todas as ocasiões, disse, a cidade do Dundo tem sido um espaço privilegiado, com a presença de turistas nacionais e estrangeiros, atraídos pela beleza da cultura Cokwe.
Durante a celebração, o soba responsável pela condução da cerimónia toma a palavra, com considerações de agradecimento aos presentes, destacando a importância histórica, cultural e social do início do novo ano.
A ocasião, sublinhou, costuma também servir para os líderes do poder tradicional, cada um na sua jurisdição, reunir os mais velhos, entre homens e mulheres, incluindo a nova geração, onde se sacrificam animais (gado bovino, caprino, aves e outros) que servem de oferendas aos ancestrais, para que o novo ano seja marcado por abundância, tanto na actividade agrícola como na caça e pesca.
O momento é assinalado, também, com a exibição de danças, aparição de diferentes tipos de mascarados (Akixe em língua Cokwe), como forma de abençoar todas as comunidades para a prosperidade.
Para o povo Lunda-Cokwe, o último mês do ano (Agosto - Cimbejimbeji), é marcado com agradecimento aos antepassados, citando o provérbio Cokwe "Kuinguila-kunguila Muaka”, que em português significa "o sucedido do ano deve ser anunciado aos demais”, contou.
Como no calendário gregoriano, o Ano Cokwe, também, é constituído por 12 meses com as seguintes designações: Kamoxi (Setembro), Kuali (Outubro), Kutatfu (Novembro), Kuwana (Dezembro), Kutano (Janeiro), Kusambano (Fevereiro), Kuximbiali (Março), Kunake (Abril), Kuva (Maio), Kukumi Mukehe (Junho), Kukumi Munene (Julho) e Cimbejimbeji (Agosto).
Os dias da semana, por sua vez, de domingo a sábado, estão ordenados da seguinte forma: Liayanega (domingo), Liakasoka (segunda-feira), Liamali (terça-feira), Limatatu (quarta-feira), Liamawana (quinta-feira) e Liamatano (sexta-feira).
Neste momento, o calendário Cokwe está no ano Kulakaji a makumi ali, ny awana, o mesmo que 2024, traduzido para o português.
Fonte: JA