Internacional
29 Maio de 2024 | 13h27

Sul -Africanos vão hoje às urnas: Entre a manutenção da maioria absoluta e a vitória em minoria

O ANC, partido no poder na África do Sul, enfrenta, hoje, pela primeira vez, 30 anos depois de assumir o poder, o espectro de uma eventual perda da maioria parlamentar ou provável vitória em minoria, dois cenários que se apresentam depois de uma campanha eleitoral renhida, em que os principais adversários procuraram “desacreditar” a mensagem de esperança da formação política liderada por Cyril Ramaphosa.

O cenário que se apresenta, suportado por algumas sondagens, não é um dado adquirido, na medida em que, dos 27 milhões de eleitores, há uma franja significativa de indecisos, além da aparente descrença, quase generalizada, da ausência de um concorrente com argumentos eleitorais para derrotar o ANC.

Estão inscritos oficialmente 70 partidos políticos e, entre estes, quatro ou cinco são os que, verdadeiramente, poderão "beliscar” o desempenho eleitoral do partido no poder  e, todos, parecem consagrados a um mesmo desiderato: esvaziar a maioria parlamentar do ANC.

Os partidos da oposição, aparentemente, estão mais concentrados em diluir a vitória eleitoral do ANC, a julgar pelas mensagens durante a campanha eleitoral, cujos actos de massas ficaram marcados por apelos ao "fim da maioria absoluta”, um dado que, em certa medida, pressupõe o reconhecimento da força que ainda representa o ANC.

É verdade que o partido fundado por John Langalibalele Dube, em 1912, enfrenta um dos maiores desafios da sua existência como formação política governante na África do Sul, atendendo ao desgaste político em que incorre, sobretudo quando se olha para os números da economia sul-africana dos últimos cinco anos.

 

Eleições autárquicas de 2021

Nas eleições autárquicas de 2021, o ANC conseguiu apenas 46 por cento e muitos sul-africanos encaram esse resultado como um prenúncio do que as eleições gerais de hoje poderão proporcionar, embora estudiosos dos processos eleitorais defendam que o desfecho das autárquicas nem sempre representa o que a nível nacional se poderá passar. O jornal "Mail & Guardian” escreve, relativamente à realização de sondagens assertivas e com margens reduzidas de erro, que constitui um processo difícil na África do Sul, porque "conseguir uma amostra suficiente e representativa é uma tarefa quase impossível, tal como verificar se os entrevistados são de facto eleitores registados”.

Com o surgimento do partido uMkhonto weSizwe (MK), liderado por Jacob Zuma, que acabou por se tornar inelegível, o jogo de forças entre as formações políticas, consubstanciado no "roubo de eleitores” vai se intensificar, na medida em que as disputas nos bastiões de cada formação política vão ser uma realidade.

Por exemplo, diz-se que, atendendo à popularidade de Jacob Zuma, no seio das franjas que apoiam o ANC, provavelmente este e os seus partidários vão apelar a algumas bolsas de apoiantes do ANC  que optem pelo MK.

O desempenho de partidos como o Inkatha "partido da liberdade”, sobretudo junto da população zulu, poderá ficar minada pela incursão do partido MK. 

Ainda sobre as projecções que indicam uma eventual derrota do ANC ou vitória em minoria, escreve ainda o Mail & Guardian que "os números das sondagens não parecem bons para o ANC, mas, historicamente, as sondagens na África do Sul tendem a subestimar o apoio do ANC, especialmente quando as percentagens de adesão às urnas são consideráveis”.

 
Principais partidos concorrentes

Os principais partidos, na África do Sul, são, depois do ANC, a Democratic Alliance (Aliança Democrática), liderada por John Steenhuisen, o Economic Freedom Fighters (Combatentes pela Liberdade Económica), chefiada pelo antigo líder juvenil do ANC, Julius Malema, uMkhonto weSizwe (MK), comandado por Jacob Zuma, Inkatha Freedom Party (Partido da Liberdade Inkhata), conduzido por Velenkosini Hlabisa, Action South Africa (Acção África do Sul), guiado por Herman Mashaba.

O ANC detém, actualmente, 230 dos 400 assentos e vai tentar, contra todas as expectativas, manter o número de assentos e evitar que desça tanto ao ponto de ficar fragilizado nas dinâmicas pós-eleitorais com as quais se poderá confrontar.

Algumas avaliações apontam para o desempenho eleitoral do ANC ficar entre os 30 a 40 por cento, que poderão complicar as suas matemáticas, mesmo na eventualidade de "namorar” os partidos menos expressivos e com os quais pode assegurar uma maioria absoluta de 201 deputados para viabilizar a reeleição do Presidente Cyril Ramaphosa.

No dia 25, durante um acto de massas, em Siyanqoba, o Presidente cessante da África do Sul e líder do ANC disse, em jeito de promessa eleitoral, que durante os próximos cinco anos iria prestar mais atenção a todos os sul-africanos e implementar um plano de emprego para colocar mais cidadãos no mercado de trabalho.


Aliança Democrática

A DA, que detém 84 assentos na Assembleia Nacional e espera por um desempenho que corresponda ao actual ambiente de ascensão como segunda maior força política, fez uma campanha "agressiva”. John Steenhuisen explicou aos apoiantes que não precisam de fazer promessas, mas necessitam que os eleitores percebam o que o partido já faz hoje, sobretudo a partir das câmaras que se encontram sob a sua presidência autárquica. 

Do seu programa de resgate, constante no site do partido, fazem parte sete prioridades, que podem estar a provocar a atracção de apoiantes, bem como levar a crescer o número de pessoas com intenção de voto naquele partido, liderado por um homem branco. Esta observação sobre John Steenhuisen pode parecer exagerada, mas não há dúvidas de que as dinâmicas herdadas do apartheid e as relações raciais na África do Sul não são apenas marcantes, mas, também, podem determinar o sentido de escolha de milhares de sul-africanos. O facto do partido se ter imposto como a segunda maior força política, nos últimos tempos, num país de maioria negra, espelha a forma como grande parte dos que apoiam a DA não querem ser condicionados pelo factor raça.

Do seu plano de resgate, consta:

1-Criar dois milhões de novos postos de trabalho.

2 – Reduzir a carga fiscal em numerosos bens de consumo, como água e energia

3 – Reduzir o crime violento (incluindo assassinatos, tentativas de assassinato e violência baseada no género).

4- Acabar com a corrupção (eliminando o militantismo a favor do mérito).

5-Retirar cinco milhões de sul-africanos da extrema pobreza.

6 – Triplicar o número de crianças do Ensino Primário.

7 – Garantir seguro de Saúde para todos, sem olhar para a condição económica de cada família.


Factor Zuma e ameaças ao pleito

Há uma preocupação, resultante da inelegibilidade de Jacob Zuma, que leva muitos sul-africanos a temer pelo pleito eleitoral, sobretudo nas zonas de influência do partido também conhecido pelas iniciais MK, no Kwazulu Natal, em que Zuma goza de grande popularidade. "Todos deveríamos estar preocupados com os relatórios que surgiram sobre a obstrução das actividades eleitorais, incluindo a entrada ilegal em locais de armazenamento de material da Comissão Eleitoral Independente, no KwaZulu-Natal”, disse Ramaphosa, num dos actos de massa, tendo apelado aos partidos, candidatos, apoiantes e a todos os sul-africanos que se abstenham de qualquer acção que possa interferir no devido processo eleitoral. Removido da lista eleitoral ao Parlamento, a sua efígie continua nos boletins de voto. Jacob Zuma, em reacção à sua desqualificação, disse que vai lutar pelos seus direitos "até que o país concorde que a liberdade deve ser completa, não para alguns e opressão para outros”.


O que está em causa nas eleições


Diz-se que o voto de "desilusão" para com o ANC, especialmente entre os jovens dos 18 aos 35 anos, vai marcar e, provavelmente, determinar o desfecho do acto eleitoral que já começou na segunda-feira, 27 de Maio, com o chamado voto especial, em que 1,6 dos 27 milhões de eleitores inscritos começaram a votar mais cedo.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), "o elevado nível de dívida pública do país – um dos mais elevados entre os mercados emergentes – limita a capacidade do Governo de responder a choques e satisfazer as crescentes necessidades sociais e de desenvolvimento”, numa altura em que se estima em 2,7 por cento o crescimento da economia, em 2024, ao contrário dos 2,9 por cento no ano passado, muito abaixo dos níveis de crescimento da população. 

A taxa de desemprego situou-se num nível elevado de 32,4% em 2023, com as mulheres e os jovens persistentemente a serem os mais afectados. A desigualdade continua a ser uma das mais elevadas do mundo e a pobreza foi estimada em 62,7% em 2023, com base no limiar de pobreza dos países de rendimento médio-alto, apenas ligeiramente abaixo do seu pico pandémico.

Escreve o World Finance – The Voice of the Market que, "com a pobreza concentrada, surgem elevadas taxas de alcoolismo, tóxico-dependência e desemprego – o que, por sua vez, pode contribuir para o aumento da criminalidade. Mas estes factores por si só não podem explicar a situação na África do Sul. Embora os países vizinhos apresentem maior pobreza, por exemplo, não sofrem dos mesmos problemas de criminalidade que são endémicos na África do Sul. Como muitos especialistas acreditam, não é a pobreza por si só que causa as elevadas taxas de criminalidade, mas sim a evidente desigualdade”.

Quanto à criminalidade no país, diz-se que houve um aumento de 6,9% em relação ao ano anterior. Ocorrem 57 assassinatos na África do Sul todos os dias, a uma taxa alarmante de 35,7 a cada 100 mil pessoas. Expressando o seu choque com os números, divulgados em Setembro, o ministro da Polícia, Bheki Cele, disse que o país estava a tornar-se numa "zona de guerra”.

 

Desfecho eleitoral previsível

Atendendo às dinâmicas que inviabilizam precisão e segurança em relação aos dados das sondagens, segundo alguns analistas, até porque poucos apontam para uma derrota do ANC, essas variáveis permitem, com algum risco, vaticinar o desfecho do processo eleitoral em curso na África do Sul, desde segunda-feira, que conhece, hoje, o seu ponto culminante.

Em 2019, o ANC ganhou com 57 por cento dos votos, com uma adesão às urnas que rondou os 66 por cento, quando, em 2014, a vitória tinha sido de 62 por cento. Se a tendência de descida se mantiver nos cinco por cento, é muito provável que o ANC prevaleça ligeiramente acima dos 50 por cento, neste pleito eleitoral. O único partido que, publicamente, já fez constar que não vai negociar com o ANC é o Inkatha.

Em todo o caso, o importante é a perspectiva de diálogo pós-eleitoral que alguns partidos assumiram ao longo da campanha, uma realidade que pode, também, assegurar ao ANC margem de manobra para negociar uma maioria em caso de um desempenho abaixo dos 50 por cento, quer com os partidos mais expressivos, quer com os demais.

Na eventualidade de um cenário adverso, em que, por exemplo, o ANC esteja abaixo dos 40 por cento, provavelmente, vai ter de se abrir mais a todos os partidos com os quais poderá formar uma maioria parlamentar, uma realidade positiva, por um lado, mas, igualmente, preocupante, atendendo às fragilidades do formato.


Combatentes pela Liberdade Económica

O "Combatentes pela Liberdade Económica” detém 53 assentos parlamentares e, no seu site, é possível encontrar ideias que formam o ideário do partido que pretende chegar ao poder na África do Sul, para reafirmar "o compromisso inabalável com políticas ousadas e progressistas, incluindo a expropriação e nacionalização de terras, estrategicamente elaboradas para lidar com injustiças históricas à equidade económica”.

Julius Malema e companheiros, numa agenda esquerdista que caracteriza o partido, pretende "fortalecer o poder das comunidades marginalizadas através de iniciativas como educação e cuidados de saúde gratuitos para todos”.

A razão de ser dos chamados "Combatentes pela Liberdade económica”, formação política criada em 2013, radica na nacionalização dos principais activos do país, como as minas, as indústrias e a banca, para, alegadamente, promover uma redistribuição justa e equitativa dos recursos e reduzir as disparidades económicas e sociais.


Partido Inkatha

No seu manifesto eleitoral, o partido Inkatha, também conhecido pelas iniciais IFP, afirma que "na nossa sociedade democrática livre, os nossos votos determinam o nosso futuro”. "Assumimos este compromisso com vocês, porque os líderes e representantes do IFP são servidores do povo. O IFP acredita que você merece um Governo que o sirva com integridade, um Governo em que você pode confiar”.

O partido fundado por Mangusuthu Buthelezi, liderado, hoje, por Velenkosini Hlabisa, anseia voltar aos tempos áureos do início da democracia em que, como terceira força política do país, tinha uma palavra a dizer.


Fonte: JA