Política
07 Fevereiro de 2024 | 08h29

CIVICOP anuncia centenas de ossadas em certificação

O coordenador da Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP) informou, terça-feira, em Luanda, que os trabalhos desenvolvidos pela instituição avançam a um ritmo significativo, com bons resultados, na medida em que estão em análise laboratorial mais de 700 amostras de 1977 até 2002.

Em declarações à imprensa, depois de presidir à primeira reunião da CIVICOP este ano, sem a presença dos membros da UNITA, Marcy Lopes avançou que, desde a criação da Comissão até ao momento, foram entregues aproximadamente nove corpos às famílias, e que as mais de 700 amostras ou corpos identificados como tal são "ossadas perfeitas", ou seja, os chamados perfis completos.

Acrescentou que existe também, um número muito maior de perfis incompletos com origem ainda desconhecida. Por isso, destacou a importância das famílias colaborarem no sentido de aparecerem e apresentarem as amostras de DNA.

Segundo o coordenador da CIVICOP, os trabalhos realizados em 2023 justificaram a reunião de ontem, por existirem informações relevantes a partilhar com os demais membros, pois foram feitas várias diligências em todo o país, durante as quais a Comissão tomou conhecimento da existência de corpos de pessoas falecidas ao abrigo dos conflitos políticos, e que, por esta razão, os grupos especializados foram aos locais identificados fazer um trabalho de verificação e confirmação.

Sem avançar o nome dos locais, o coordenador da Comissão e ministro da Justiça e dos Direitos Humanos disse que as ossadas encontradas estão em processo de análise laboratorial, sendo um trabalho que contou com a colaboração de cidadãos e de organizações que eventualmente têm informações relevantes para que o trabalho da Comissão seja bem-sucedido.

"Os trabalhos são sensíveis, carecem de confirmação científico-laboratorial. Só após esta confirmação é que a Comissão pode fazer a entrega e a relação ou correlação entre os restos determinados e um grupo de pessoas ou famílias. É um serviço aturado. Leva muito tempo. Daí que pode parecer que os trabalhos não estão a avançar, mas estão a um ritmo muito bom e significativo", garantiu, frisando que é preciso paciência quando se trata de matérias do género, e que a confirmação científico-laboratorial é a base para se fazer a ligação entre determinados restos mortais e famílias.

"Nós estamos a evitar tratar estas matérias sem o máximo de confirmação laboratorial. Ou seja, ainda que existam indicações muito fortes de determinadas ossadas pertencerem a uma certa pessoa, é necessário que tenhamos confirmação laboratorial para que possamos fazer a entrega e dar o tratamento condigno que se espera", sublinhou o ministro. 

 
Familiares precisam de prestar colaboração

Sobre a colaboração das famílias, o governante ressaltou que são processos sensíveis, uma vez que já passou muito tempo e há famílias que preferem evitar o assunto: "Por isso, temos de ser nós a sensibilizar a mãe, a avó, o sobrinho ou o tio. Mas nesses processos, é preciso familiares directos que vão dar uma correspondência de 100 por cento, que é superior à de um neto, e o género também conta muito", sublinhou.

Acrescentou que são muitas as razões que levam à falta de colaboração das famílias, que se sentem desconfortáveis e as que colaboram, mas que na hora da colheita do DNA ficam com reservas. Por isso, fez saber, para as famílias que pretendem buscar uma segunda ou terceira opinião, a Comissão está aberta, as ossadas estão disponíveis no laboratório e que podem levar técnicos, certificados, fazerem a colheita e levarem para uma verificação, sempre com uma avaliação e certificação da CIVICOP.

Sobre os trabalhos realizados até então pela Comissão, criada em 2019, Marcy Lopes disse que é necessário passar a informação de que se trata de um processo aturado, árduo e sensível, que carece de certificação científica-laboratorial para que determinadas ossadas sejam entregues.

"Nós estivemos a fazer a entrega de ossadas às famílias durante os últimos anos e estamos num processo de conclusão de mais que precisam de certificação. Temos algumas situações, já identificadas, de possíveis pessoas que foram dadas como mortas, num certo contexto, mas que as análises laboratoriais precisam de fazer a certificação o mais próximo dos 100 por cento para que essas ossadas sejam entregues às famílias", ressaltou, fazendo menção que a Comissão desenvolve acções em todas as províncias do país.

Por outro lado, Marcy Lopes esclareceu que a CIVICOP não vai à busca de todos os corpos possíveis ou imaginários existentes no território nacional, ou seja, de quem tombou em combate, que é considerado soldado, mas de vítimas dos conflitos internos partidários, da UNITA, MPLA e FNLA.

 
UNITA ainda faz parte

Na reunião, que aconteceu no Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, com todos os membros, com excepção da UNITA, Marcy Lopes esclareceu que o maior partido na oposição continua na Comissão, apesar de anunciar publicamente a saída.

Segundo Marcy Lopes, a Comissão não foi formalmente notificada pelo partido UNITA, por isso, os membros continuam a integrar a CIVICOP. "A UNITA enviou uma carta ao coordenador da Comissão a informar que fez um anúncio público da retirada. Entretanto, como referi, a Administração Pública tem um formalismo muito próprio, o procedimento é estrito e a UNITA foi convidada a fazer parte da Comissão por via de uma notificação escrita. Para se retirar da Comissão, o procedimento deve ser o mesmo e não por um anúncio público, por via de um comunicado", esclareceu, fazendo menção de que os membros da CIVICOP foram contactados para a reunião de ontem, mas remeteram uma carta a informar que se retiram da Comissão.

As pessoas ou organizações que entenderem se retirar, eventualmente, poderão regressar: "O lema desta Comissão é abraçar e perdoar e nós temos que nos abraçar e nos perdoarmos. Não temos as portas fechadas a ninguém e, independentemente de qualquer situação, estamos abertos a continuar o trabalho e devemos fazê-lo em benefício do Estado, da Nação e das pessoas que, por força destes conflitos, perderam os entes queridos".

A Comissão, segundo Marcy Lopes, vai continuar a trabalhar para mitigar o sofrimento, encontrando as ossadas e garantir que o retorno às famílias seja efectivamente realizado e concluído com êxito, porque é deste modo que a nação ganha, assim como o processo de reconciliação e de unidade nacional.

Ainda em relação à saída da UNITA, o coordenador disse que em nada vai dificultar os trabalhos, assim como a credibilidade, pois a Comissão é integrada por vários membros, e a credibilidade é conferida pelo Estado e pelos membros. "Sem a UNITA, a CIVICOP vai continuar com as actividades", frisou.

 
Emissão de certidões

Segundo o coordenador, a Comissão foi, ontem, informada de que existem várias pessoas a fomentar nas redes sociais que estão a pagar uma certa quantia em dinheiro para a obtenção de certidões de óbito.

A verdade, acrescentou Marcy Lopes, é que as certidões podem ser obtidas de forma gratuita, basta que as pessoas interessadas entrem em contacto com a Comissão, para que após apuramento dos factos e documentos se possa fazer a emissão dessas certidões.


Membros partidários realçam responsabilidade do processo

Enquanto membro da Comissão e representante do MPLA, Mário Pinto de Andrade referiu que o sentimento é de satisfação pelo trabalho até agora realizado, uma vez que a CIVICOP já identificou vários locais em todas as províncias com valas e vítimas dos conflitos políticos.

Para Mário Pinto de Andrade, é preciso continuar o trabalho que tem devolvido a paz de espírito, por assim dizer, a muitas famílias, ao poderem enterrar, com dignidade, os entes queridos. "A Comissão está de parabéns pelo trabalho que tem feito até agora e as perspectivas existentes para este ano. Vamos continuar a fazer este trabalho, felicitando a coragem do Presidente da República quando criou a CIVICOP e os resultados que estão aí a olhos vistos. Estamos a encontrar vítimas de conflitos políticos e se está a dar dignidade a essas famílias", realçou.

O político lamentou a ausência e atitude da UNITA, que se afasta de uma Comissão que tem a missão de ajudar no processo de reconciliação nacional de que "é preciso abraçar e perdoar". Sem muitas palavras, a líder do Partido Humanista de Angola, Florbela Malaquias, referiu que o processo desenvolvido pela CIVICOP deve ser encarado com muita responsabilidade, pois diz respeito a todos, à História do país e ao futuro de harmonização que se pretende.

Fonte: JA