Discurso do Presidente João Lourenço na Bienal de Luanda
Discurso do Presidente da República, João Lourenço, proferido, esta quarta-feira, na abertura da 3.ª edição do Fórum Pan-Africano para uma Cultura de Paz e Não-Violência – Bienal de Luanda.
Sua Excelência José Maria das Neves, Presidente da República de Cabo Verde,
Sua Excelência Hage Geingob, Presidente da República da Namíbia,
Sua Excelência Carlos Vila Nova, Presidente da República de São Tomé e Príncipe, Sua Excelência Moussa Faki Mahamat, Presidente da Comissão da União Africana, Distintos Conselheiros da União Africana, Distintos membros do Executivo angolano, Minhas Senhoras e Meus Senhores, É
uma grande honra para mim e para o Executivo que dirijo acolher tão
ilustres figuras nesta cidade capital de Angola, para participar na 3ª
edição do Fórum Pan-Africano para a Cultura de Paz, Bienal de Luanda,
que se vai subordinar ao lema «Educação, Cultura de Paz e Cidadania
Africana, como Ferramentas para o Desenvolvimento Sustentável do
Continente». Apesar
da complexidade que encerra a preparação deste evento, a República de
Angola assumiu a responsabilidade de o acolher a cada dois anos, porque
tem a clara noção da importância que assume para os países africanos e
não só, a questão da paz e da convivência pacífica no seio das
sociedades de cada um dos nossos países em particular do nosso
continente, onde é fundamental fazer-se uma pedagogia permanente,
principalmente junto dos jovens que estão aqui representados de forma
significativa, para a necessidade de defender e preservar a paz, como
condição primária para o desenvolvimento económico e social dos nossos
países. Desde
o alcance da nossa Independência e durante três décadas consecutivas,
Angola viveu a triste realidade de um conflito armado entre filhos da
mesma mãe pátria, que nos deixou lições extremamente úteis, tendo-nos
levado a desarmar os espíritos e a enveredar pelo caminho da paz, da
reconciliação, da harmonia, do entendimento e da convivência pacífica
entre todos, e transformado o nosso país num espaço em que se tornou
possível dedicarmo-nos todos às tarefas do progresso e do
desenvolvimento. Desde
que se realizou a primeira edição, este Fórum tem-se constituído numa
plataforma privilegiada de interacção e reflexão colectiva empenhada no
reconhecimento, na difusão e na valorização dos conceitos, princípios e
boas práticas tendentes à construção de um futuro mais pacífico para o
nosso continente, berço de uma rica e complexa diversidade cultural,
dentro da qual se entrelaçam povos com crenças, línguas e práticas
diferentes. Não
obstante a evidência de que a diversidade cultural constitui um
inegável activo social, a sua desvirtuação pode criar tensões sociais e
até mesmo conflitos desnecessários, pelo que o tema deste ano nos coloca
perante o desafio de forjar novos paradigmas e elevar o respeito pela
diferença como pedra angular na edificação de sociedades cada vez mais
imunes à violência. Excelências, Nenhum
esforço tendente a consagrar a ideia de que a paz é um bem inegociável
da Humanidade produzirá os resultados almejados se não for feita uma
aposta séria, firme e coerente na educação das pessoas e,
principalmente, na dos jovens, chamando-lhes a intervir neste processo
com o sentido de que se está a realizar um dever perante a sociedade, as
famílias, as escolas, as igrejas, as agremiações desportivas, os grupos
culturais, as associações e outras entidades de natureza similar. Devemos
fazer uma reflexão sobre a pertinência de se elaborarem políticas
públicas voltadas para a cultura de paz que, mais do que um conceito,
deve ser encarada como um princípio a ser inscrito nas estratégias
nacionais de desenvolvimento dos nossos países, implementado pelas
instituições a que antes fiz referência e, tanto quanto possível,
amplamente divulgado pelos órgãos de comunicação social e através das
plataformas digitais, que podem desempenhar um papel construtivo neste
esforço de promoção da cultura de paz. Devemos
procurar aceitar o facto de que promover uma cultura de paz implica a
valorização do colectivo, estimula o respeito pelas diferenças, consagra
a diversidade como fonte de riqueza a proteger e pode agir como um
factor impulsionador do reforço da justiça social, da equidade e da
inclusão. É
por isso essencial que coloquemos o nosso foco na questão da inclusão,
pois considero que se cada cidadão dos nossos países se sentir
valorizado em função dos seus conhecimentos, dos seus anseios e das suas
capacidades, construiremos sociedades em que todas as vozes serão
escutadas, todas as sensibilidades respeitadas, e todos os segmentos
sociais levados em consideração. Já
não há espaço a visões redutoras sobre o lugar da mulher nas nossas
sociedades, nas quais assumem um papel cada vez mais actuante e
reconhecidamente eficaz na execução das suas responsabilidades
profissionais, e daquelas em que, na sua condição de mães, podem
transformar-se em verdadeiras arquitectas de um mundo de harmonia, de
paz, de respeito, de tolerância, de compreensão e de amor. Excelências, O
nosso continente é habitado por uma população maioritariamente jovem,
que tem naturalmente um conjunto de aspirações e expectativas quanto ao
seu futuro, o qual se deve procurar atender levando sempre em
consideração o seu papel de força motriz da mudança, da evolução, do
progresso, do desenvolvimento e da construção de sociedades criativas e
inovadoras. A
própria natureza dos jovens tem dinâmicas próprias e gera abordagens e
visões diferentes em função de cada grupo geracional, facto que deve ser
sempre observado com muita atenção para que se percebam as necessidades
e exigências de cada tempo e sejam encontradas soluções na medida do
possível, para evitar tensões sociais e posturas muitas vezes permeáveis
a ideias nocivas e a comportamentos social e civicamente pouco
aceitáveis. Considero,
por isso, ser nosso dever acreditar sem hesitações na juventude,
disponibilizando-lhe oportunidades reais de participação activa na
construção das nossas sociedades para solidificar uma cultura de paz
duradoura e resiliente, criando espaços de diálogo em que devemos
escutá-los, entender as suas ideias e integrar as suas contribuições
para permitir-lhes que sejam agentes de mudanças virtuosas. Acredito
que se conseguirmos com algum esforço alcançar este desiderato, teremos
certamente conseguido, também, preparar cidadãos aptos para aceitar o
confronto de ideias, em lugar de partir para a confrontação na base de
ideias divergentes. É
nesta perspectiva que atribuo uma importância fulcral ao diálogo
inter-geracional que se tornou na referência central da Bienal, por nos
permitir estabelecer um intercâmbio de ideias e um espaço de diálogo
dentro do qual a combinação entre a sabedoria e a experiência dos mais
velhos e a energia criativa dos jovens pode ajudar a fazer a passagem
suave e tranquila do testemunho de uma geração para outra. Excelências, A
criação e a consolidação de uma cultura de paz em África deve ser um
passo fundamental para se estabelecer o clima e as condições essenciais
para que os povos e as nações africanas se dediquem, com todo o seu
engenho, às tarefas da promoção do progresso e do desenvolvimento. Somente
por esta via seremos capazes de enfrentar e superar o desafio do
combate à pobreza, que é, no fim de tudo, o maior dos problemas do nosso
continente e o que nos torna vulneráveis às cobiças e às
arbitrariedades que lhes estão subjacentes.
Nosso
maior desafio consiste na necessidade da definição acertada de
estratégias e programas de desenvolvimento assentes na utilização dos
recursos de que dispomos, para que consigamos criar as dinâmicas que vão
impulsionar o intercâmbio a todos os níveis, as trocas comerciais, o
aproveitamento dos conhecimentos técnicos e científicos de cada um de
nossos países e regiões, para se criarem factores geradores de
crescimento. Mesmo
tendo a perfeita noção de que estamos diante de uma tarefa complexa,
nada nos deve fazer desistir de a levar por diante, porque temos de
garantir um futuro promissor e próspero às gerações vindouras, às quais
caberá dar continuidade ao trabalho iniciado. Devemos
empreender igualmente um esforço gigantesco para protegermos os nossos
mercados de choques externos e fortalecê-los na base de programas
nacionais de desenvolvimento que assentem sobre a incontornável
necessidade da diversificação da economia, por forma a torná-la mais
resiliente aproveitando o espírito empreendedor das nossas gentes. Excelências, Estamos
a realizar hoje a terceira sessão da Bienal de Luanda. Impõe-se que
façamos uma retrospectiva do percurso feito até aqui para que vejamos se
tem valido a pena abordar neste Fórum as questões relacionadas com a
paz no nosso continente. A
República de Angola tem procurado desempenhar um papel activo no
sentido de contribuir para a resolução dos conflitos em África,
particularmente na RDC, porque acreditamos que a perseverança leva a
bons resultados. Estou
convencido de que deve ser este o espírito a conduzir-nos nas
iniciativas que desenvolvemos em África para pôr um fim definitivo aos
conflitos e iniciarmos, sem nenhuma espécie de constrangimento, o
processo de desenvolvimento sustentável de África. Por
isto mesmo, temos de procurar centrar as nossas acções concertadas
entre todos, com o envolvimento activo da União Africana, no sentido de
colocar o nosso enfoque na busca de uma solução para o conflito que se
desenvolve no Sudão e noutras zonas do nosso continente. Não
posso deixar de me referir ao cenário de instabilidade que se observa
em resultado das acções terroristas desencadeadas por grupos armados na
região do Sahel e das mudanças inconstitucionais - vulgo golpes de
Estado - em alguns países da África do Oeste e Central. Esta
situação nem sempre tem merecido a nossa mais vigorosa condenação e
repulsa, havendo mesmo casos em que se confere aos golpistas o mesmo
tratamento devido aos legítimos detentores do poder, o que choca com os
princípios e valores defendidos pela União Africana. Excelências, Estamos
actualmente perante um panorama internacional desolador, em resultado
da guerra entre Israel e a Palestina e a que opõe a Rússia à Ucrânia,
sendo que ambas, no seu conjunto ou mesmo isoladamente, constituem uma
séria e inequívoca ameaça à segurança internacional e à paz mundial, com
todas as consequências que daí derivam na sua dimensão humana, social,
económica e política. Em
virtude destes problemas, ocorre-nos extrair a conclusão de que se
impõe, com a máxima urgência, a necessidade de se aperfeiçoarem os
mecanismos da governança mundial, de modo a reforçar-se a sua capacidade
de prevenção e intervenção e não permitir que as tensões políticas
degenerem em confrontação armada de grandes proporções. Acompanhamos
todos com muita mágoa a tragédia humana que se observa em Gaza, perante
uma espécie de impotência da comunidade internacional, que se tem
revelado incapaz de agir com firmeza e determinação para parar com a
mutilação e morte de milhares de seres humanos indefesos e inocentes
naquela parte do Médio Oriente. Este
conflito só tem uma solução possível que assenta necessariamente na
criação do Estado palestino, ao abrigo das várias resoluções do Conselho
de Segurança das Nações Unidas sobre a matéria. Penso
que a questão que se prende com a cultura de paz e não-violência deve
ser encarada de uma forma transversal, de modo que se torne um paradigma
para todas as regiões do nosso planeta. Acredito
profundamente no sucesso das políticas voltadas para a criação de uma
sólida cultura de paz e de um ambiente de concórdia e de estabilidade em
África e no mundo em geral. Declaro, assim, aberta a 3ª Edição do Fórum Pan-africano para uma Cultura de Paz e Não-Violência – Bienal de Luanda.