Economia
10 Outubro de 2023 | 09h12

Angola relança produção de trigo com novos operadores

O mercado da produção de trigo em Angola já começa a apresentar sinais positivos, consubstanciados, essencialmente, no aumento gradual da oferta e do número de fazendeiros interessados neste cultivo.

Actualmente, o país tem uma capacidade instalada para produzir pouco mais de 8 mil toneladas-ano e necessidade real de quase 600 mil toneladas-ano, que poderá ser satisfeita, a partir de 2024, com a implementação do Plano Nacional de Fomento de Produção de Grãos (Planagrão).

Com este programa do Executivo, que visa acelerar o aumento da produção de trigo nos próximos anos, Angola estima colher cerca de 229 mil toneladas (34%) de trigo-ano, o que vai ajudar a reduzir, sobremaneira, os seus níveis de importação.

 A produção de trigo é um dos grandes focos do Planagrão, lançado pelo Executivo angolano em Dezembro de 2022, que prevê aumentar a produção de cereais (trigo, arroz, soja e milho) dos actuais cerca de três milhões de toneladas/ano para seis milhões de toneladas, a partir de 2027.

Inicialmente, o programa deve ser implementado nas províncias do Moxico, Lunda Norte, Lunda Sul e Cuando Cubango, prevendo-se, para o caso do trigo, que a produção seja feita numa área de 673 mil e 970 hectares.

Com essas medidas, Angola estará em condições de baixar, consideravelmente, os níveis de importação de farinha de trigo, e consolidar a estratégia de produzir em grande escala, para abastecer o mercado local e externo.

Dados da Direcção Nacional do Comércio Externo, órgão afecto ao Ministério da Indústria e Comércio, apontam que Angola importou 18 milhões 15 mil e 812 quilogramas de farinha de trigo, de Janeiro a Junho deste ano.

A importação dessa quantidade de farinha de trigo, proveniente de Portugal e Turquia, custou 11 milhões 920 mil e 765 dólares norte-americanos, conforme apuração da ANGOP.

Em contrapartida, essa Direcção indica que Angola também exportou sete milhões 529 mil e 849 quilos de farinha de trigo, tendo arrecadado cinco milhões, 43 mil e 292 dólares. 

O destino desta exportação foi o Congo Brazzaville, República Democrática do Congo (RDC) e Portugal.    

Na verdade, o país já se ressente menos da falta de condições para a transformação de farinha trigo, sendo que, actualmente, o foco passa pelo aumento da produção da matéria-prima (grão), para se tornar autosuficiente.

Actualmente, Angola conta com 10 moageiras que garantem a transformação de 1 milhão 300 mil toneladas de farinha de trigo, produção acima das necessidades do mercado interno (transformação), estimadas em 700 mil toneladas-ano.

Dados da Associação de Produtores de Farinha de Trigo de Angola (APFTA) indicam que Angola dispõe de farinha de trigo suficiente e com a qualidade desejada para abastecer o mercado nacional e, quiçá, exportar. 

O director do Gabinete de Estudos, Planeamento e Estatística do Ministério da Agricultura, Anderson Jerónimo, considera que o país está no bom caminho e vaticina a redução da importação do grão de trigo na ordem de 30 ou 40 por cento, nos próximos três anos, caso se continue com o mesmo ritmo de cultivo deste cereal a nível nacional. 

Para se atingir essas metas, há um grande esforço nos campos de produção, sendo que, em 2022, por exemplo, foram colhidas oito mil e 117 toneladas no país, numa altura em que os industriais nacionais dependiam, essencialmente, da importação da matéria-prima para transformar em farinha.

As previsões para esse ano apontam para um aumento da produção do trigo em Angola, que conta, actualmente, com o contributo de pelo menos 25 fazendas com potencial para fazer crescer a oferta. 

O surgimento de novos operadores agrícolas e a expansão das áreas de cultivo do trigo abrem boas perspectivas para o relançamento e aumento substancial da produção.

De acordo com Anderson Jerónimo, ainda não é possível avançar a quantidade de trigo a ser colhida e o número exacto de hectares cultivados este ano, a nível nacional.

Todavia, a fonte afirma que a estimativa do aumento da colheita deste cereal é justificada pela constatação preliminar feita pelas equipas de inquérito do MINAGRIF.

O director do GEPE assegura que os dados estatísticos definitivos sobre a produção do trigo serão divulgados no final deste ano, quando estiver concluído o levantamento de campo em execução pelos técnicos do Ministério.

Porém, embora a constatação dos técnicos indique o aumento considerável na colheita do trigo, Anderson Jerónimo apela para a necessidade de se manter o mesmo ritmo de cultivo, reforçando o investimento neste segmento, quer no sector familiar, quer no empresarial.

Dados actuais indicam que Angola conta com cinco a sete empresas que produzem o cereal em grande escala, e outros operadores que ainda cultivam de forma tímida e experimental, em áreas de cinco e dez hectares cada.

Segundo o director do Gabinete de Estudos, Planeamento e Estatística (GEPE) do MINAGRIF, duas das amostras mais visíveis do empenho dos agricultores locais são as províncias do Bié e Huambo, os principais mercados.

Além dessas localidades, onde está instalada a fazenda Vinevala, que cultiva o trigo numa área superior a dois mil hectares, o mercado é impulsionado pelas fazendas Nova Agrolider e Cambondo, localizadas no Cuanza Sul, e as fazendas Mumpa e Agrocuvango, na província da Huíla.

A par destas, o director do GEPE realça o engajamento de centenas de famílias nessa cultura, além da possibilidade de existirem outros produtores fora do conhecimento do MINAGRIF, facto que "abre portas” para o alcance de resultados satisfatórios na época agrícola 2022/2023.

"Na história de Angola independente nunca se verificou tanto interesse e engajamento de agricultores no cultivo do trigo, tal como se verifica actualmente, quer a nível da Exploração Agrícola Familiar (EAF), quer da Exploração Agrícola Empresarial”, sublinha.

De acordo com o responsável, há 24 ou 35 meses, por exemplo, quase "não se verificava o interesse das famílias e das empresas em produzir o trigo a nível nacional”, com excepção do empresário Alfeu Vinevala, que se dedica ao cultivo do cereal há mais de sete anos.

Conforme Anderson Jerónimo, a actual motivação dos agricultores no cultivo do produto está a ser impulsionada, essencialmente, pelo surgimento de algumas unidades fabris de transformação do cereal em farinha de trigo.

Essa realidade é vivida na província do Huambo, onde um dos empresários montou uma fábrica de transformação de farinha de trigo, facto que está a ser o "grande motor” de incremento no cultivo da matéria-prima no planalto central.

Em funcionamento desde Agosto de 2021, a respectiva unidade fabril tem capacidade para processar 120 toneladas/dia de farinha de trigo, numa iniciativa do empresário Felisberto Capamba, que apoia os agricultores familiares com sementes e outros insumos agrícolas.

Na mesma senda, o empresário Alfeu Vinevala está a instalar uma fábrica com capacidade para transformar 30 toneladas de trigo/dia. Esta unidade fabril, prevista para entrar em funcionamento ainda este ano, vai processar 50% da produção da fazenda do proprietário, enquanto outros 50% serão comercializados no mercado nacional.

Paralelamente a isso, Anderson Jerónimo considera que o efeito da política pública do Governo, o engajamento dos empresários e a resiliência das famílias estão a relançar a produção do trigo no país.

Para além disso, aponta, entre outros instrumentos de política pública, o Planagrão como um dos programas que também vai acelerar o aumento da produção.

Recomenda, também, a união de sinergias e trabalho conjunto para que os factores de produção cheguem aos agricultores antes do início de cada época agrícola.

Províncias que se destacam no cultivo de trigo


Por outro lado, embora de forma tímida, Moxico também se junta ao conjunto de regiões que cultivam o trigo, registando uma produção média de três mil toneladas/ano, com o envolvimento de perto de 100 famílias, nos municípios dos Luchazes, Alto Zambeze e Moxico (sede provincial).

Na mesma senda, segue a província do Cuanza Norte, que vai passar a integrar o cultivo de trigo e de arroz na próxima campanha agrícola, para fomentar a produção de cereais.

Segundo o director provincial da Agricultura, Pecuária e Pesca do Cuanza Norte, Manuel Domingos, para essa meta já estão disponíveis 30 toneladas de semente de trigo e uma de arroz, para fornecer aos agricultores desta província.

Para além disso, o responsável assegura também que o sector está a manter contactos com os responsáveis e produtores de trigo e arroz nas províncias do Bié e Huambo, para a aquisição de mais sementes destes cereais.

Outra província que pretende estrear-se no cultivo de trigo é a Lunda Sul, que já dispõe de dez toneladas de sementes de trigo, para os agricultores interessados em apostar nessa cultura, segundo o director do gabinete provincial da Agricultura, Pesca e Pecuária, Nelson Senguitale.

Dados dessa província apontam para um consumo de cerca de 315 toneladas de farinha de trigo/mês e três mil 780 toneladas por ano, para abastecer 35 panificadoras registadas na Lunda Sul.

O trigo é um dos cereais mais cultivados e consumidos no mundo, a par do milho e do arroz, sendo a principal matéria-prima para o fabrico da farinha, além de ser utilizado na indústria de massa alimentar, bebidas, entre outros fins. 

"Embora a produção esteja a depender de vários factores, com a importação de matérias-primas, estamos a produzir no máximo da capacidade instalada, disponibilizando quantidades suficientes para o mercado nacional”, assegurou, em 2022, o presidente da AFPTA, César Rasgado.