Economia
21 Janeiro de 2023 | 16h48

Arquitectos apontam soluções para Luanda

A capital angolana, Luanda, que dentro de poucos dias completa 447 anos de existência, continua a registar um acentuado índice de ocupação ilegal de terrenos, o surgimento de bairros novos sem serviços básicos e a construção de casas sem Plano Director.

Numa altura em que faltam 53 anos para completar 500, Luanda regista uma verdadeira metamorfose em termos arquitetónicos, com a desactivação de dezenas de edifícios históricos e o surgimento de centenas de outros modernos.

Nas últimas décadas, o padrão arquitectónico colonial da cidade vem sendo ofuscado pelo surgimento de novos "arranha-céus” (prédios), maioritariamente construídos na zona baixa da província mais populosa de Angola, com aproximadamente 10 milhões de habitantes. 

Actualmente, a urbe conta com nove municípios e vários distritos urbanos, que se estendem para fora das localidades, trazendo uma realidade de contrastes muito desafiante. 

Se, por um lado, nascem centenas de bairros desestruturados, do dia para a noite, nota-se, por outro, o aumento de projectos habitacionais modernos por toda a extensão da província, que "absorve” uma mescla de matrizes arquitetónicas, desde a ocidental à oriental.  

Nos dias de hoje, já quase não se consegue, inclusive, identificar o padrão da estrutura colonial, o que abre espaço para debates sobre a nova matriz arquitectónica da cidade e a necessidade imperiosa da adopção e implementação de um Plano Director.  

Diante desses dois cenários, o arquitecto Elias Lucas aponta, essencialmente, a implementação prática de planos directores como uma das soluções para minimizar o crescimento urbano desordenado de Luanda, em particular. 

Segundo o especialista, que falava à ANGOP a propósito dos 447 anos de Luanda, a assinalarem-se no dia 25 deste mês, os planos directores são instrumentos fundamentais que ajudam a fazer estudos prévios para a construção de uma cidade de maneira sustentável. 

O arquitecto, que tem 30 anos de carreira profissional, diz que com a utilização destes instrumentos também será possível urbanizar os bairros informais, criando infra-estruturas básicas e serviços essenciais para a população. 

Para tal, sugere que esses planos sejam elaborados, de forma conjunta, pelas administrações municipais, o Instituto Geográfico e Cadastral de Angola (IGCA) e o Ministério das Obras Públicas, Urbanismo e Habitação, com vista à harmonização dos projectos urbanísticos. 

Recorda que, de 1980 até 2000, os projectos urbanos de Luanda eram feitos consoante o Plano Director do tempo colonial, um instrumento que deixou de ser usado anos depois, por, alegadamente, estar ultrapassado no tempo. 

Com isso, afirma, a transformação urbana da cidade continua a ser feita de forma desordenada e com registo do surgimento de novos prédios em zonas com casas térreas.

Do seu ponto de vista, isso retira a privacidade dos cidadãos que habitam em vivendas, além da própria estética urbanística da cidade. 

"O surgimento de prédios em zonas com casas térreas restringe o direito dos cidadãos e expõe a privacidade das pessoas que queiram tomar banho no quintal, por exemplo”, adverte o especialista.

De acordo com Elias Lucas, o surgimento de bairros informais ou construções desordenadas, o saneamento básico e a macrodrenagem da capital do país, particularmente nos bairros periféricos, ficam cada vez mais caóticos, sobretudo na época chuvosa. 

Apesar de reconhecer evolução na valorização dos profissionais nacionais, advoga  uma maior participação dos arquitectos angolanos na elaboração de projectos urbanísticos, com a inclusão de vários técnicos, como historiadores, antropólogos e ambientalistas.

Também considera necessária a criação de pólos habitacionais com infra-estruturas básicas, para aproximar os serviços às zonas de residência e descongestionar o centro urbano. 

Ainda  em relação à construção de casas informais, quem também defende o uso de planos directores é o arquitecto Helvécio da Cunha, que considera instrumentos cruciais para a definição do crescimento ordenado e calculado de uma determinada cidade. 

Até 1975, os projectos urbanísticos eram geridos por planos directores do tempo colonial, mas, após esse período, as autoridades governamentais não conseguiram implementar, de facto, esses planos, por várias vicissitudes”, sublinha. 

Ainda no mesmo domínio, o especialista sugere a necessidade de se continuar a apostar na requalificação urbana em determinadas áreas, enquanto não se implementam os planos directores, para que se dê solução aos problemas urgentes das zonas urbanas e da periferia de Luanda. 

A par disso, o profissional elege, igualmente, a construção de novas cidades nas restantes províncias, como outra alternativa para desafogar a capital do país. 

Outro especialista que alinha do mesmo pensamento é o arquitecto Vity Nsalambi, para quem a solução para os problemas de Luanda passa, fundamentalmente, pelo abrandamento do fluxo migratório de outras províncias para a capital angolana. 

A título de exemplo, recorda que Luanda foi projectada para acolher aproximadamente 500 mil habitantes, mas, actualmente, acolhe mais de oito milhões de pessoas, facto que torna difícil e insustentável gerir um território cujo crescimento urbano ordenado é muito inferior ao populacional. 

Com este quadro, o também vice-presidente da Ordem dos Arquitectos de Angola (OAA) defende o melhoramento dos instrumentos de gestão do território, criando uma base alinhada e sólida, para se evitar o crescimento urbano desordenado de Luanda. 

Considera necessário, ainda, a elaboração de políticas públicas de qualidade, para que  cidadãos optem pela fixação nas suas zonas de origem ou de residência. 

Outra solução que o arquitecto aponta é a partilha de conhecimentos entre vários técnicos, para a aplicação correcta dos instrumentos que permitam gerir e orientar melhor o crescimento urbanístico do território. 

Segundo Vity Nsalambi, a actual transformação urbana de Luanda "não está a ser bem feita”, por ser irregular e desordenada. 

Mobilidade urbana carece de vias alternativas

A par das construções informais, Luanda também enfrenta o "crónico” problema da mobilidade urbana, que é mais visível no período chuvoso, por causa do "bloqueio das vias secundárias e terciárias”, que servem de alternativas para os automobilistas no tempo seco.   

De acordo com o arquitecto Elias Lucas, este cenário pode ser melhorado com a reabilitação de vias secundárias e terciárias, assim como com o aumento de meios de transporte rodoviários, ferroviários e marítimos. 

O especialista reconhece, entretanto, que as autoridades governamentais estão a dar passos significativos para a melhoria da circulação de pessoas e meios de transportes, com a reabilitação de algumas vias estruturantes e o aumento da oferta de transportes públicos.  

Com a finalidade de tornar a cidade mais habitável, integrada e internacional, em 2015, foi lançado o Plano Director Geral Metropolitano de Luanda (PDGML), que, do ponto vista prático, "parou no tempo e não se implementou”. 

Após este período, o PDGML foi aprovado em Conselho de Ministros, em 2018, constituindo-se num "instrumento de planeamento que integra o mapa e o ordenamento do crescimento e das transformações a serem realizadas na província de Luanda”, segundo o comunicado saído deste Órgão, naquela altura. 

Apesar deste passo, o arquitecto Elias Lucas afirma que o plano não está a ser implementado.  

Êxodo populacional acelera crescimento desordenado

Entre os vários entraves que dificultam o crescimento urbanístico harmonioso e ordenado de Luanda, o vice-presidente da OAA destaca o fluxo migratório de cidadãos de outras províncias para a capital e a falta de medidas concretas que acabem com as construções desordenadas, em tempo oportuno.

Vity Nsalambi recorda que a deslocação de milhares de cidadãos das suas zonas de origem para Luanda deriva do processo histórico que o país viveu, com destaque para a guerra.

Este processo migratório, prossegue, provocou a ocupação irregular e desenfreada de terrenos e, consequentemente, o crescimento urbano desordenado da capital angolana, facto que criou um défice na gestão do território por parte das administrações municipais. 

Outro factor que também tem acelerado a desestruturação urbana da cidade é a falta de instrumentos de ordenamento do território, como um planeamento de gestão urbanística mais apurado, segundo o técnico. 

Já o arquitecto Elias Lucas aponta, além da falta de planos directores exequíveis, a concentração dos serviços essenciais na zona urbana como uma das causas do crescimento de construções informais em Luanda. 

Lembra que, antes da independência nacional, a capital de Angola era uma cidade pequena, com pelo menos 600 mil habitantes, mas, actualmente, transformou-se numa megametrópole, como consequência do conflito armado.

Com isso, a fonte da ANGOP refere que a taxa populacional da cidade evoluiu muito rápido, comparativamente com a criação e construção de infra-estruturas urbanas ordenadas, como habitações e vias de comunicação, que "não acompanharam o crescimento da população”. 

Considera que este crescimento exponencial populacional serviu de brecha para os cidadãos se apropriarem dos espaços e concretizarem o sonho da casa própria, sem o cumprimento das regras, nem obediência ao padrão arquitectónico da cidade.

"Algumas pessoas aproveitam-se da falta da administração do Estado ou da fiscalização local para obterem lucro fácil, através da invasão de terrenos, uma situação que agrava o aumento das construções desordenadas na cidade de Luanda”, sublinha o especialista.

Postal de Luanda

Fundada em 1576, quando o português Paulo Dias de Novais e seus correligionários ancoraram na Ilha das Cabras (actualmente Ilha do Cabo), Luanda situa-se na região centro-norte do país, na zona costeira do Oceano Atlântico, com uma extensão territorial de 18 mil 826 quilómetros quadrados. 

Segundo a projecção do Instituto Nacional de Estatística (INE), feita em finais de 2018, Luanda continua a ser a província mais populosa de Angola, com 8,2 milhões de habitantes (estimativa para 2019), o que, na altura, representava 27,3% dos mais de 30 milhões de angolanos residentes no país. 

Essa população está distribuída pelos nove municípios que compõem a província de Luanda, nomeadamente Cacuaco, Kilamba Kiaxi, Cazenga, Luanda, Viana, Ícolo e Bengo, Quissama, Talatona e Belas, compostos por vários distritos urbanos e diversas comunas.

Quanto aos hábitos e costumes do seu povo, destaca-se o desfile do carnaval, feito anualmente na Marginal de Luanda, bem como a música, com os ritmos/estilos kizomba, semba, rebita, cabetula, kilapanga, kuduro e zouk.

Com uma estação climatérica quente, que vigora de Outubro a Maio, e fria e seca (cacimbo), de Junho a Setembro, Luanda é o principal centro económico e político de Angola, cuja população é, maioritariamente, de matriz cristã.

Fazem parte das suas referências os museus das Forças Armadas Angolanas, da Escravatura, de História Natural e Antropologia, assim como o Banco Nacional de Angola (BNA), o Palácio de Ferro, a Sede do Governo Provincial, igrejas, entre outros monumentos e sítios.

A Marginal e a Ilha de Luanda ou do Cabo, o Miradouro da Lua, Cabo Ledo e o Parque Nacional da Quiçama também se destacam entre os principais cartões de visita.

Enquanto isso, o Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, o Porto de Luanda, o Caminho-de-Ferro de Luanda e as estradas nacionais constituem as principais portas de entrada e saída de pessoas e bens a nível nacional e internacional.

Fonte: Angop