Política
04 Abril de 2021 | 10h43

Orlando Victor Muhongo: País conquistou prestígio no concerto das Nações

Angola é, incontornavelmente, vista hoje como país a ter em conta no concerto das nações, como mostram as consultas constantes que diversos dignitários, quer africanos quer afectos a países ocidentais ou a organizações internacionais, têm feito às autoridades angolanas.

A constatação é do especialista em Relações Internacionais Orlando Victor Muhongo, ao Jornal de Angola, por ocasião do 4 de Abril, Dia da Paz e Reconciliação Nacional, que hoje se assinala.  
Mestre em Relações Interculturais pela Universidade Aberta de Lisboa, Orlando Muhongo considera que, "embora seja visível hoje, em alguns sectores internacionais, uma certa perplexidade pelo persistente desafio a nível do desenvolvimento do país, e de certa forma, a ocorrência de algum retrocesso em termos económicos e sociais, no concerto das nações Angola é vista também como um actor de prestígio, no que diz respeito a questões de segurança na África subsaariana." 
  
À pergunta se, cerca de 20 anos depois, como Angola se afirmou no contexto internacional com a conquista da paz, Orlando Muhongo disse que, paradoxalmente, uma combinação de factores intrínsecos à história recente de Angola acabou por conferir a este país um estatuto de autoridade, quer no combate a insurreições armadas, quer  na adopção e implementação de processos de paz no continente africano.  

"As décadas de conflito armado, que originaram várias desgraças e que estão na base do subdesenvolvimento do nosso país, acabaram por acumular um conjunto de saberes militares, mas também fazer escola, no que diz respeito a métodos de reconciliação e integração de grupos rebeldes em estruturas de forças armadas oficiais, sendo a experiência de Angola, única no mundo”, referiu Orlando Muhongo, também pós-graduado em Direito das Migrações pela Universidade Autónoma de Lisboa. 

Orlando Muhongo considera que "se, do ponto de vista económico e social, temos um longo caminho a traçar, do ponto de vista de gestão e resolução de conflitos armados nenhum outro país em África tem tanta experiência como Angola.”   
"Neste aspecto, é importante frisar que não se pretende dizer que as Forças Armadas Angolanas sejam as melhores munidas do ponto de vista tecnológico, se compararmos a estruturas militares de países como a África do Sul e do Egipto, por exemplo. No entanto, não são apenas a quantidade nem a tipologia de equipamento bélico que um determinado país possui que conferem prestígio. É fundamentalmente a experiência acumulada, a capacidade técnica dos generais e a história do próprio país”, sustentou.  

Questionado como o mundo reagiu a um entendimento para o fim da guerra somente negociado entre os beligerantes, sem intervenção externa, Orlando Muhongo afirmou que a guerra civil em Angola beneficiava muitos interesses externos.   
"Se por um lado o Governo, enquanto entidade legitimada pelo Direito interno e pelo Direito internacional, tinha a necessidade de recorrer a canais convencionais de venda de equipamento de guerra para o reforço da capacidade técnica das Forças Armadas, por outro lado, o grupo rebelde também adquiria tecnologia militar, quer por via do mercado negro, custeando tais aquisições com o resultado da venda de diamantes explorados no território nacional de forma ilícita,  quer através do apoio explícito das principais potências ocidentais que, desde o dealbar da independência, tudo fizeram para derrubar o Governo, usando como argumento a extensão da Guerra Fria, em virtude do governo, à época, ter sido suportado por uma força política que experimentava a via marxista”, afirmou. 

O também analista de Política Internacional na imprensa angolana considera que determinados círculos da comunidade internacional obtinham avultados lucros com as décadas de persistência do conflito armado em Angola, assim como almejavam ter acesso gratuito aos recursos minerais deste país. "O facto de várias iniciativas internacionais para a paz em Angola, assim como diversas missões da Organização das Nações Unidas terem fracassado em demover o líder rebelde dos actos belicistas contra a ordem instituída e contra populações civis, é prova mais do que evidente de que a paz para este país não era uma verdadeira opção de parte da comunidade internacional, visto que bastava que fossem retirados os apoios internacionais aos rebeldes, o fim do conflito em Angola teria ocorrido ainda no século XX”, sustentou.     


Diplomacia em tempo de paz 

Orlando Muhongo considera que, embora 19 anos depois, determinados angolanos tenham optado por efectuar um "restart” à história deste país, passando a observar a ampulheta das nossas realizações colectivas, a partir de 2002, "infelizmente, por mais desagradável que seja afirmar e ler isto, do ponto de vista científico e académico, é desonesto apagar os 27 anos de guerra civil que o país atravessou; tentar forjar um consenso segundo o qual já não existem no presente reflexos de quase três décadas de conflito armado; e considerar que 20 anos é tempo suficiente para o desenvolvimento e consolidação plena da maturidade das instituições em Angola.”  

O especialista em Relações Internacionais reconheceu que "é compreensível e legítimo que os cidadãos tenham aspirações de viver com dignidade no seu país, é verdadeiro o ponto de vista segundo o qual, em 46 anos de independência, é possível construir um país funcional que garanta estabilidade económica e social para os seus filhos.”  "No entanto, que história, que dimensão geográfica, que densidade populacional e que preparação intelectual e técnica estariam concentrados neste hipotético país?”, questionou. 

A credibilização e a democratização das instituições em qualquer parte do mundo, segundo Orlando Muhongo, resultam de um processo de construção e não de medidas bruscas e instantâneas. "Além de não existir um sistema político que pode ser tido como ‘democracia stan’dard’, que caiba em todas as regiões e culturas do planeta, a qualidade e o tempo de maturação das instituições dependem do compromisso e dos interesses que movem as lideranças, as forças políticas e as elites”, referiu, acrescentando que, depois do calar das armas e de muitos erros cometidos, só resta aos angolanos a convergência em torno de um projecto de país.  

Em relação ao tipo de diplomacia que deve o país exercer na arena internacional, Orlando Muhongo entende que, enquanto extensão dos interesses governativos, a diplomacia deve estar ao serviço da realização dos objectivos de um país. "Embora seja lugar-comum que o principal desafio de Angola hoje é o desafio económico, é necessário que o exercício da diplomacia económica não submeta o Estado numa posição de subalternização perante actores do sistema internacional, ao ponto de perder de vista factores e características endógenos, com os quais a busca por soluções na economia ortodoxa ou no extremismo do neoliberalismo poderão redundar em consequências sociais sem precedentes”, disse. 

"A diplomacia em tempo de paz, deve privilegiar o estabelecimento de parcerias em que se preserva a faculdade de negociar, visando a satisfação de interesses comuns entre as partes, uma diplomacia que busca ‘know-how’ e capacidade técnica para os quadros nacionais, uma diplomacia capaz de superar o preconceito que retarda as trocas comerciais regionais em condições ‘win-win’ e, como é óbvio, a diplomacia da paz, capaz de preservar e ‘exportar’ este bem que, depois da independência nacional, é indubitavelmente a maior conquista de Angola e dos angolanos”, concluiu. 

Orlando Victor Muhongo, especialista em Relações Internacionais, é licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Privada de Angola, mestre em Relações Interculturais pela Universidade Aberta de Lisboa e pós-graduado em Direito das Migrações pela Universidade Autónoma de Lisboa. É analista de Política Internacional em diversos órgãos de comunicação social e autor de quatro livros, duas obras de poesia (A Arte de Sentir e Maresia), um livro de investigação científica sobre "O Impacto das Telenovelas Angolanas nos Luandenses” e um ensaio intitulado "Os Angolanos que Libertaram Mandela – a Desconstrução de um Mito”.

Fonte: JA