Angola é, incontornavelmente, vista hoje como país a ter em conta no concerto das nações, como mostram as consultas constantes que diversos dignitários, quer africanos quer afectos a países ocidentais ou a organizações internacionais, têm feito às autoridades angolanas.
A constatação é do especialista em Relações Internacionais Orlando
Victor Muhongo, ao Jornal de Angola, por ocasião do 4 de Abril, Dia da
Paz e Reconciliação Nacional, que hoje se assinala.
Mestre em
Relações Interculturais pela Universidade Aberta de Lisboa, Orlando
Muhongo considera que, "embora seja visível hoje, em alguns sectores
internacionais, uma certa perplexidade pelo persistente desafio a nível
do desenvolvimento do país, e de certa forma, a ocorrência de algum
retrocesso em termos económicos e sociais, no concerto das nações Angola
é vista também como um actor de prestígio, no que diz respeito a
questões de segurança na África subsaariana."
À pergunta se,
cerca de 20 anos depois, como Angola se afirmou no contexto
internacional com a conquista da paz, Orlando Muhongo disse que,
paradoxalmente, uma combinação de factores intrínsecos à história
recente de Angola acabou por conferir a este país um estatuto de
autoridade, quer no combate a insurreições armadas, quer na adopção e
implementação de processos de paz no continente africano.
"As
décadas de conflito armado, que originaram várias desgraças e que estão
na base do subdesenvolvimento do nosso país, acabaram por acumular um
conjunto de saberes militares, mas também fazer escola, no que diz
respeito a métodos de reconciliação e integração de grupos rebeldes em
estruturas de forças armadas oficiais, sendo a experiência de Angola,
única no mundo”, referiu Orlando Muhongo, também pós-graduado em Direito
das Migrações pela Universidade Autónoma de Lisboa.
Orlando
Muhongo considera que "se, do ponto de vista económico e social, temos
um longo caminho a traçar, do ponto de vista de gestão e resolução de
conflitos armados nenhum outro país em África tem tanta experiência como
Angola.”
"Neste aspecto, é importante frisar que não se pretende
dizer que as Forças Armadas Angolanas sejam as melhores munidas do ponto
de vista tecnológico, se compararmos a estruturas militares de países
como a África do Sul e do Egipto, por exemplo. No entanto, não são
apenas a quantidade nem a tipologia de equipamento bélico que um
determinado país possui que conferem prestígio. É fundamentalmente a
experiência acumulada, a capacidade técnica dos generais e a história do
próprio país”, sustentou.
Questionado como o mundo reagiu a
um entendimento para o fim da guerra somente negociado entre os
beligerantes, sem intervenção externa, Orlando Muhongo afirmou que a
guerra civil em Angola beneficiava muitos interesses externos.
"Se
por um lado o Governo, enquanto entidade legitimada pelo Direito
interno e pelo Direito internacional, tinha a necessidade de recorrer a
canais convencionais de venda de equipamento de guerra para o reforço da
capacidade técnica das Forças Armadas, por outro lado, o grupo rebelde
também adquiria tecnologia militar, quer por via do mercado negro,
custeando tais aquisições com o resultado da venda de diamantes
explorados no território nacional de forma ilícita, quer através do
apoio explícito das principais potências ocidentais que, desde o dealbar
da independência, tudo fizeram para derrubar o Governo, usando como
argumento a extensão da Guerra Fria, em virtude do governo, à época, ter
sido suportado por uma força política que experimentava a via
marxista”, afirmou.
O também analista de Política Internacional
na imprensa angolana considera que determinados círculos da comunidade
internacional obtinham avultados lucros com as décadas de persistência
do conflito armado em Angola, assim como almejavam ter acesso gratuito
aos recursos minerais deste país. "O facto de várias iniciativas
internacionais para a paz em Angola, assim como diversas missões da
Organização das Nações Unidas terem fracassado em demover o líder
rebelde dos actos belicistas contra a ordem instituída e contra
populações civis, é prova mais do que evidente de que a paz para este
país não era uma verdadeira opção de parte da comunidade internacional,
visto que bastava que fossem retirados os apoios internacionais aos
rebeldes, o fim do conflito em Angola teria ocorrido ainda no século
XX”, sustentou.
Diplomacia em tempo de paz Orlando
Muhongo considera que, embora 19 anos depois, determinados angolanos
tenham optado por efectuar um "restart” à história deste país, passando a
observar a ampulheta das nossas realizações colectivas, a partir de
2002, "infelizmente, por mais desagradável que seja afirmar e ler isto,
do ponto de vista científico e académico, é desonesto apagar os 27 anos
de guerra civil que o país atravessou; tentar forjar um consenso segundo
o qual já não existem no presente reflexos de quase três décadas de
conflito armado; e considerar que 20 anos é tempo suficiente para o
desenvolvimento e consolidação plena da maturidade das instituições em
Angola.”
O especialista em Relações Internacionais reconheceu
que "é compreensível e legítimo que os cidadãos tenham aspirações de
viver com dignidade no seu país, é verdadeiro o ponto de vista segundo o
qual, em 46 anos de independência, é possível construir um país
funcional que garanta estabilidade económica e social para os seus
filhos.” "No entanto, que história, que dimensão geográfica, que
densidade populacional e que preparação intelectual e técnica estariam
concentrados neste hipotético país?”, questionou.
A
credibilização e a democratização das instituições em qualquer parte do
mundo, segundo Orlando Muhongo, resultam de um processo de construção e
não de medidas bruscas e instantâneas. "Além de não existir um sistema
político que pode ser tido como ‘democracia stan’dard’, que caiba em
todas as regiões e culturas do planeta, a qualidade e o tempo de
maturação das instituições dependem do compromisso e dos interesses que
movem as lideranças, as forças políticas e as elites”, referiu,
acrescentando que, depois do calar das armas e de muitos erros
cometidos, só resta aos angolanos a convergência em torno de um projecto
de país.
Em relação ao tipo de diplomacia que deve o país
exercer na arena internacional, Orlando Muhongo entende que, enquanto
extensão dos interesses governativos, a diplomacia deve estar ao serviço
da realização dos objectivos de um país. "Embora seja lugar-comum que o
principal desafio de Angola hoje é o desafio económico, é necessário
que o exercício da diplomacia económica não submeta o Estado numa
posição de subalternização perante actores do sistema internacional, ao
ponto de perder de vista factores e características endógenos, com os
quais a busca por soluções na economia ortodoxa ou no extremismo do
neoliberalismo poderão redundar em consequências sociais sem
precedentes”, disse.
"A diplomacia em tempo de paz, deve
privilegiar o estabelecimento de parcerias em que se preserva a
faculdade de negociar, visando a satisfação de interesses comuns entre
as partes, uma diplomacia que busca ‘know-how’ e capacidade técnica para
os quadros nacionais, uma diplomacia capaz de superar o preconceito que
retarda as trocas comerciais regionais em condições ‘win-win’ e, como é
óbvio, a diplomacia da paz, capaz de preservar e ‘exportar’ este bem
que, depois da independência nacional, é indubitavelmente a maior
conquista de Angola e dos angolanos”, concluiu.
Orlando Victor
Muhongo, especialista em Relações Internacionais, é licenciado em
Relações Internacionais pela Universidade Privada de Angola, mestre em
Relações Interculturais pela Universidade Aberta de Lisboa e
pós-graduado em Direito das Migrações pela Universidade Autónoma de
Lisboa. É analista de Política Internacional em diversos órgãos de
comunicação social e autor de quatro livros, duas obras de poesia (A
Arte de Sentir e Maresia), um livro de investigação científica sobre "O
Impacto das Telenovelas Angolanas nos Luandenses” e um ensaio intitulado
"Os Angolanos que Libertaram Mandela – a Desconstrução de um Mito”.
Fonte: JA