Política
23 Março de 2021 | 11h47

Angolanos e namibianos partilharam o pesado fardo da guerra

O embaixador da Namíbia no país, Patrick Nandago, reconheceu o "inabalável" apoio das autoridades angolanas, na concretização da independência do seu país e na eliminação do sistema do Apartheid na África do Sul

Os Estados membros da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) celebram hoje o Dia da Libertação da África Austral. A data, instituída pela organização regional, em 2018, assinala a vitória das então Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e das tropas cubanas sobre o exército racista sul-africano, na batalha sangrenta do Cuito Cuanavale, no Cuando Cubango. Em entrevista ao Jornal de Angola, pela celebração da efeméride, o embaixador da Namíbia no nosso país, Patrick Nandago, reconheceu o "inabalável" apoio das autoridades angolanas, na  concretização da in-dependência do seu país e na eliminação do sistema do Apartheid na África do Sul. O também decano dos embaixadores da SADC no país lembrou as vicissitudes por que Angola passou, por ajudar a SWAPO e o ANC a libertarem a Namíbia e a África do Sul, respectivamente."Angola partilhou connosco o fardo pesado da perda de vidas humanas e material", afirmou o diplomata namibiano


Que marco representa o 23 de Março, para a SADC e seus cidadãos? 
A data tem um histórico importante. Foi o ponto de viragem na história da África Austral, pois assinalou um marco importante na luta para a libertação da Região da África Austral  contra o flagelo do Apartheid. Em outras palavras, esta  data representa a liberdade e a independência. A eliminação total do Apartheid na África Austral. A data assinala a vitória na Batalha do Cuito Cuanavale, travada entre 14 de Agosto de 1987 e 23 de Março de 1988, contra as forças invasoras sul-africanas do Apartheid, abrindo caminho para a independência da Namíbia, em 1990, e o fim do sistema do Apartheid, na África do Sul, em 1994, culminando com a libertação da África Austral. Em Agosto de 2018, a SADC proclamou o 23 de Março como Dia da Libertação da África Austral.


Foi uma batalha na qual sobressaiu a união, a força da razão e a coragem contra um poderoso exército invasor … 

As tropas racistas da África do Sul, que tinham invadido Angola, em violação do Direito Internacional, colocaram na ofensiva do Cuito Cuanavale poderosa infantaria, aviação de combate moderna, tanques, artilharia de longo al-cance e meios antiaéreos, bem como armamento de alta precisão. Mas foram derrotadas, graças à determinação e coragem do FAPLA, das forças internacionalistas cubanas e dos combatentes do Exército de Libertação Popular da Namíbia (PLAN), então ala militar da SWAPO. 


Qual foi, na altura, a posição do Conselho de Segurança das Nações Unidas? 

A vitória na Batalha de Cuito Cuanavale foi um momento decisivo para a África Austral, em geral, mas, particularmente, para o povo da Namíbia e para o povo da África do Sul, o que levou o Conselho de Segurança das Nações Unidas a implementar a Resolução 435, que inaugurou a nossa independência e o alvorecer da democracia na África do Sul, depois de muitos anos de luta amarga pela liberdade. 


Como avalia o apoio de Angola no processo de libertação da Namíbia e da África do Sul? 

A  Independência da Namíbia e o desaparecimento do sistema de Apartheid na África do Sul não teriam sido possíveis sem o inabalável apoio do povo heroico de Angola. Depois de conquistar a Independência, a 11 de Novembro de 1975, Angola permitiu à SWAPO e ao ANC a utilização do seu território, para que estas duas organizações  políticas levassem a cabo a luta política, diplomática e armada. 


Quais foram as consequências dessa ajuda para os angolanos? 

Angola partilhou connosco o fardo pesado na perda de vidas humanas e de bens materiais. O regime racista sul-africano infligiu um sofrimento incalculável aos angolanos, pela única razão de se terem mantido do nosso lado, na busca para a realização do nosso direito à autodeterminação, independência nacional e democracia. Angola foi ainda sujeita a constantes actos de agressão e sabotagem económica pelas tropas do Apartheid. Mas o povo de Angola manteve-se sempre firme. 


Nesta data, haverá alguma figura muito particular a homenagear? 
Apesar das dificuldades de vária ordem impostas pelos racistas sul-africanos contra o povo angolano, devido ao apoio que prestava à luta dos povos namibiano e sul-africano, Angola sempre demonstrou humanismo e solidariedade para com toda África Austral. Ao comemorarmos o Dia da Libertação da África Austral, prestamos homenagem à memória do Fundador Presidente da República de Angola, Dr. António Agostinho Neto, cuja liderança visionária e dedicação permitiram à África Austral tornar-se livre. Por esta razão, ele invocava que "Angola é e será, por sua vontade própria, trincheira firme da revolução em África". Dizia ainda que "na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul está a continuação da nossa luta". A independência da Namíbia, do Zimbabwe e a aurora da democracia na África do Sul foram uma reafirmação prática desse compromisso. Portanto, não foi coincidência que a SADC declarou o 23 de Março como Dia da Libertação da África Austral, em reconhecimento do papel desempenhado por Angola na libertação da Re-gião da Àfrica Austral. 

Haverá outros líderes, cujo envolvimento no processo deve ser reconhecido? 

Também reconhecemos a enorme contribuição feita pelo Presidente José Eduardo dos Santos, com vista à libertação da Namíbia e o fim do apartheid na África do Sul. Sua contribuição deixa uma marca indelével na história da libertação da África Austral. Também queremos elogiar o Presidente João Lourenço pela sua liderança e o papel importante que Angola continua a desempenhar, no avançar da cooperação regional na África Austral. 


Quais são os principais desafios da SADC? 
Os países da SADC enfrentam muitos desafios. A organiza-ção regional está focada em enfrentar os desafios da po-breza, desemprego juvenil, subdesenvolvimento, crimes transfronteiriços, violência doméstica, catástrofes naturais, como inundações e seca. Alguns destes desafios não podem ser enfrentados de forma eficaz por cada Esta-do-membro. A cooperação sócio-económica e política e de segurança entre os Estados-membros da SADC é, igualmente, ampla e destinada a enfrentar os vários desafios comuns. 

  
Que avaliação faz da relação entre os Estados membros da organização regional? 

A visão da SADC é de um futuro comum, um futuro numa comunidade regional que assegure o bem-estar económico, a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, liberdade e justiça social, paz e segurança para os povos da África Austral. Esta visão partilhada está ancorada nos valores e princípios comuns e nas afinidades históricas e culturais que existem entre os povos da África Austral. Como co-munidade, percorremos um longo caminho e alcançamos sucessos em muitas frentes. Continuamos a registar progressos significativos no re-forço da cooperação em di-
versos domínios, quer a nível regional, quer nacional, para fazer avançar a agenda de integração. 


O que de concreto tem sido feito para que a integração regional seja um facto? 
Existem uma série de protocolos, bem como políticas e estratégias regionais que levam a uma maior harmonização da legislação e elevação de políticas a nível nacional. Os programas re-gionais continuam a alargar-se em termos de âmbito e cobertura, lançando assim bases sólidas para uma integração regional aprofundada. Os Estados-membros da SADC continuam a trabalhar em conjunto, para promover o desenvolvimento económico, através de uma cooperação e integração mais profundas, boa governação, paz e segurança duradoura, para que a região emerja como um actor efectivo nas relações internacionais e na economia mundial. Os Estados-membros continuam a cumprir fielmente as obrigações da SADC. 

Cada protocolo assinado é  concebido para contribuir para o desenvolvimento da região. Na perspectiva do futuro, uma história de su-cesso para a região da SADC será aquela que nos conduzirá a um desenvolvimento inclusivo e sustentável, com normas e qualidade de vida do nosso povo. O Plano de De-senvolvimento Estratégico Indicativo Regional da SADC (RISDP) 2020-2030 contribuirá para a realização deste objectivo, bem como a visão SADC 2050 consubstancia-se numa região pacífica, inclusiva, competitiva, industrializada, de média a alta renda, onde todos os cidadãos desfrutem de bem-estar económico, justiça e liberdade. 


Quais são os principais entraves para a execução de projectos regionais? 

Um dos principais obstáculos é o surto global da pandemia da Covid-19, que teve um im-pacto negativo no desenvolvimento social e económico dos Estados membros da SADC. A pandemia perturbou as cadeias de abastecimento globais, bem como propiciou a diminuição da procura no mercado mundial. Prejudicou o progresso feito no sector do comércio interno da organização regional. É provável que a SADC venha a sofrer  atrasos ou redução do investimento estrangeiro directo. 


Que esforços a SADC pretende fazer no combate à pandemia, que, aliás, perturba projectos na região? 
A região Austral da África  vai continuar a intensificar esforços para fazer face ao impacto da Covid-19 sobre os sistemas de prestação de cuidados de saúde, o am-biente empresarial e para mitigar o seu impacto sobre as economias e os ambientes sócio-económicos. Os   Estados membros da SADC reconhecem a enormidade da tarefa que têm pela frente. Continuamos a prosseguir nossa agenda, com o desejo e a determinação de somar sucessos. 


Qual é o lema central das celebrações do Dia 23 de Março? 

A "Importância da Batalha de Cuito Cuanavale no Ensino da História da África Austral" é o tema principal das comemorações da data. A história fundamenta-nos nas nossas raízes. Ajuda-nos a entender o nosso passado e o presente. Os acontecimentos históricos também nos ajudam a compreender as lições vitais da vida, quem somos, de onde viemos e para onde queremos chegar. 


A instabilidade política pode desviar 
a atenção das iniciativas de integração 


Senhor embaixador, como avalia o projecto para a implementação efectiva da Zona de Comércio Livre na Região? 
O Protocolo Comercial da SADC é o instrumento jurídico mais importante da organização. O mesmo procura a integração económica da Região e entrou em vigor em Janeiro de 2000. A Zona de Comércio Livre da região da SADC foi lançada em 17 de Agosto de 2008. A aplicação do Protocolo Comercial da SADC iniciou em 2000, com a eliminação progressiva dos direitos aduaneiros em 85%, da tarifa em 2008 e a eliminação dos direitos aduaneiros sobre os restantes "produtos sensíveis" em  2012. No entanto, dada a situação económica mundial, alguns Estados-membros atrasaram a redução das tarifas. 


O que visa de concreto o "Protocolo Comercial da SADC?” 
O protocolo, em conformidade com a integração global da SADC, visa eliminar os obstáculos à livre circulação de bens, serviços, capital e mão-de-obra e melhorar o desempenho económico da região, incluindo a competitividade internacional. A eliminação progressiva das pautas aduaneiras e das barreiras facilitarão a comercialização transfronteiriça das mercadorias. Os fabricantes vão fornecer inputs regionalmente, acrescentar valor aos seus produtos e alargar as opções para os consumidores comprarem bens produzidos localmente, que sejam competitivos em termos de qualidade e preços. Os Estados da SADC representam uma família em crescimento, com complementaridades dinâmicas e potencial para se tornarem num bloco co-mercial unido, pronto para assumir as oportunidades e desafios colocados pela globalização e pelo sistema comercial multilateral. A SADC também representa uma união de países determinados a avançar em direcção a um futuro mais brilhante. 


O que tem feito a organização regional para manter a estabilidade política e atrair investimentos? 

A SADC está ciente de que a instabilidade política regional pode desviar a atenção das iniciativas de integração económica. Por conseguinte, a região tem envidado esforços consideráveis, para manter a estabilidade política continuada, para atrair investimentos directos e transfronteiriços. À medida que as fronteiras se abrem, gradualmente, e os países membros levantam os direitos de importação, o efeito será mercados maiores e preços mais baixos de bens importados de países que têm uma vantagem comparativa, partindo do princípio de que os importadores repercutem o custo mais baixo no consumidor. Em última análise, os países precisam de se concentrar na produção de bens na qual têm uma vantagem comparativa, beneficiando assim o consumidor. A longo prazo, assim que os países se especializam em áreas onde têm uma vantagem comparativa, irão absorver o exército de reserva de mão-de-obra anteriormente prejudicado pela redução de indústrias. O impacto positivo sobre o emprego resultará em empresas a se tornarem tecnologicamente mais avançadas e, portanto, mais produtivas. No entanto, o comércio não pode acontecer se não existirem actividades de abastecimento. É crucial que um sistema de transportes regionais eficiente e rentável traga, directamente, benefícios comerciais aos Estados-membros da SADC. Há também a necessidade de melhorar o mercado das linhas de transporte já existentes e a construção de novas infra-estruturas de transporte para impulsionar o comércio regional. 

Fonte: JA